quarta-feira, 13 de maio de 2009

CARTA AOS DEPUTADOS DE MINAS GERAIS

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A Associação Brasileira dos Deficientes com Visão Monocular – ABDVM, uma entidade de âmbito nacional que luta em prol do reconhecimento da visão monocular como deficiência visual, vem mui respeitosamente solicitar a aprovação do Projeto de Lei nº 2462/2008. Trata-se de Projeto de Lei da lavra do nobre deputado Dinis Pinheiro (PSDB), que classifica a visão monocular como deficiência visual.

Esta Assembléia, honorável Casa de Leis, tem calcado sua função típica de legislar, na tradução de leis que alcancem o sentimento social, o apelo da voz do povo diante de um fato ocorrido em sociedade, que tenha elevado valor e traga uma mudança social que necessita de normatização. É latente a discriminação sofrida pelas pessoas que enxergam apenas com um olho. Isso inclusive foi justificado com muita propriedade quando da propositura do projeto, ora comentado.

Registre-se que o Projeto de Lei em epígrafe não mostra qualquer vedação legiferante à atuação do Estado de Minas Gerais, menos ainda a qualquer afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, a usurpar as funções de outro, pois como apresenta a Carta Magna, art. 2º há de serem independentes e harmônicos entre si.

Tanto é assim, que os membros da Comissão de Constituição, Justiça e Redação - CCJR analisaram o projeto sob os ângulos de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, espancando qualquer vício de constitucionalidade; ao revés foi todo moldado à luz da Constituição Estadual. Observando, ainda, a oportunidade, o interesse público, a iniciativa da propositura e, sobretudo, o custo financeiro, para que nesse último caso, uma legislação estadual dessa magnitude não ocasionasse um ônus aos cofres estaduais e comprometesse o orçamento do Estado.

Observem Excelências, que no campo das repartições constitucionais das competências materiais, consagrou-se ser atribuição comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II), bem como competência legislativa concorrente aos Estados e à União para a edição de normas sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV).

É indispensável lembrar que a competência legislativa não é estabelecida ao acaso. As matérias que a Constituição Federal reserva à atuação legislativa privativa, exclusiva ou concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim são instituídas por força do bem jurídico que o sistema normativo visa preservar. A competência se estabelece, assim, pelo interesse que cada ente da federação tem — ou possa vir a ter — sobre as matérias tratadas, e esse interesse é ditado pela ordem constitucional.

A União edita normas gerais (Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei) e os Estados normas específicas. Portanto, não há óbice a que o legislativo proponha e faça tramitar matéria que venha contemplar a cegueira monocular como deficiência visual no âmbito do Estado.

A despeito do que se possa cogitar, não se está adentrando na seara da competência privativa da União, mas interagindo ou, apropriadamente, fazendo uma suplementação, em perfeita consonância com a norma do § 2º do art. 24 da Constituição Federal, que prescreve que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Portanto, o nobre deputado ao propor o Projeto de Lei em evidência, nada mais fez do que suplementar as normas gerais já editadas pela União, dispondo sobre a classificação da visão monocular como deficiência visual, no âmbito do Estado de Minas Gerais.
Vale ressaltar que a Constituição Estadual dá guarida ao pleito dos monoculares, quando institui no art. Art. 224, incisos e §§, que “ O Estado assegurará condições de prevenção das deficiências física, sensorial e mental, com prioridade para a assistência pré-natal e à infância, e de integração social do portador de deficiência, em especial do adolescente, e a facilitação do acesso a bens e serviços coletivos, com eliminação de preconceitos e remoção de obstáculos arquitetônicos. § 1º - Para assegurar a implementação das medidas indicadas neste artigo, incumbe ao Poder Público: (...)II - celebrar convênio com entidade profissionalizante sem fins lucrativos, com vistas à formação profissional e à preparação para o trabalho; III - estimular a empresa, mediante adoção de mecanismos,inclusive incentivos fiscais, a absorver a mão-de-obra de portador de deficiência; IV - criar centros profissionalizantes para treinamento,habilitação e reabilitação profissional do portador de deficiência e do acidentado no trabalho, e assegurar a integração entre saúde,educação e trabalho;(...)VII - promover a participação das entidades representativas do segmento na formulação da política de atendimento ao portador de deficiência e no controle das ações desenvolvidas, em todos os níveis, pelos órgãos estaduais responsáveis pela política de proteção ao portador de deficiência;(...) X - destinar, na forma da lei, recursos às entidades de amparo e de assistência ao portador de deficiência. § 2º - Ao servidor público que passe à condição de deficiente no exercício de cargo ou função pública, o Estado assegurará assistência médica e hospitalar, medicamentos, aparelhos e equipamentos necessários ao tratamento e à sua adaptação às novas condições de vida”. Acrescente-se que conforme inteligência do Art. 66, inciso III da Carta Política Estadual, a matéria em apreço não está elencada dentre aquelas que são reservadas privativamente à iniciativa do Chefe do Poder Executivo.
Ademais, o art. 3, inciso IV da CF/88 diz que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Assim afastaria um possível e velado argumento de que uma legislação estadual iria acarretar um peso ao erário estadual, comprometendo o orçamento, pois é um dos objetivos da CF de um Estado Democrático de Direito, portanto OBRIGAÇÃO do estado membro promover o bem de TODOS e evitar quaisquer forma de discriminação.

No que tange a considerar a visão univalente ou monocular como espécie de deficiência visual, o Governo Federal em 26 de abril de 2007 instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, com o intuito de avaliar o modelo de classificação e valoração das deficiências utilizado no Brasil e definir a elaboração e adoção de um modelo único para todo o País.

Diante da falta de conhecimento técnico-científico que subsidiasse um parecer favorável à inclusão da cegueira monocular como deficiência, a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa portadora de deficiência solicitou à ABDVM a indicação de um especialista no assunto.

Numa busca minuciosa e primando pela excelência do resultado, chegou-se ao nome do Dr. Harley Edison Amaral Bicas, eminente cientista na seara da oftalmologia, com notoriedade junto à comunidade médica brasileira e à latina americana.

Detentor de três pós-doutorados em nível internacional, ocupou as cadeiras de Presidente e de vice-Presidente do Conselho de Oftalmologia Brasileiro - CBO, órgão máximo da especialidade no país. Assumiu as mesmas funções no Centro Brasileiro de Estrabismo - CBE e como Presidente no Conselho Latino Americano de Estrabismo - CLADE, Brasil. Exerceu, ainda, o cargo de vice-Presidente da Academia Brasileira de Oftalmologia – ACADBO. Alberga em seu curriculum uma vasta produção bibliográfica, composta de livros, artigos completos publicados em periódicos, trabalhos completos publicados em anais de congressos, apresentações de Trabalho em congressos, conferências, palestras, dentre outras. Em sua brilhante carreira auferiu vários prêmios e títulos. Na linha de pesquisa defendida, estudou a motricidade e a visão binocular.

Assim, em face da magnífica indicação, foi firmado entendimento entre a CORDE e o Dr. Harley, e em 14/11/2008, no prédio Sede da Procuradoria da República em Brasília, o notável cientista proferiu palestra sobre a Visão Monocular contribuindo com sua sapiência e expertise no intuito de dirimir qualquer dúvida que porventura persista em não considerar como deficiente uma pessoa que enxerga com apenas um olho, quer pela ausência do globo ocular, quer pela funcionalidade deste. Arrematou o abalizado especialista dizendo que “pessoas com visão monocular, absolutas ou relativas são, inequivocadamente, deficientes”.

Após explanação apurada e tendo em vista o cabedal de informações proferidas na palestra supramencionada, em cujo tema o Dr. Harley é cátedra, parece desarrazoado perdurar a lacuna legislativa no tocante ao não reconhecimento da visão monocular como deficiência.

Convenham, Excelências, que em um país intitulado democrático de direito que completou recentemente 20 anos da promulgação da Carta Magna, dita constituição cidadã não há que prosperar dantescas discriminações frente a este contingente de deficiente, que há muito tempo tem seus direitos vilipendiados e, sobretudo, por se depararem diuturnamente com toda espécie de aviltamentos e ultrajes.

No tocante ao exercício profissional, saliente-se que ao se tratar de todas as limitações no mercado de trabalho, as pessoas com a visão monocular não podem exercer inúmeras carreiras profissionais, a despeito da redução considerável das noções de profundidade e distância, a exemplo da: Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Rodoviária Estadual, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Judiciária do Senado Federal, Câmara Federal, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, Segurança Judiciário de Tribunais e particulares, Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros, Agente Penitenciário Federal, Agente Penitenciário Estadual, oftalmologista – além de outras profissões médico/científicas, em função do uso de aparelhos profissionais que exigem a visão binocular – motorista profissional nas categorias “C”, “D” e “E” e profissões conexas, com 700% a mais de acidentes de trânsito, permitindo-se apenas a aquisição da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) “A” e “B” – Resolução n°. 267/2008 – Anexo II – CONTRAN, vedação ao trabalho em plataformas petrolíferas, operador de guindaste, indústrias químicas, laboratórios, comissário de bordo, controlador de tráfego aéreo, barbeiro, etc.

Em relação à questão dos certames públicos, entendimento firmado pela Corte Máxima de Justiça do país – STF pronuncia que “a pessoa com visão monocular possui apenas um olho, nunca dois. Assim, para a pessoa com visão monocular não existe o ‘melhor olho’ uma vez que o outro não pode servir de comparação por ser desprovido de visão” (ROMS 26.071-1 – DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJE 01/02/2008). Ademais, o Superior Tribunal de Justiça reconhece à unanimidade que visão monocular é deficiência visual considerada para o enquadramento do candidato no conceito de deficiência que o benefício de reserva de vagas tenta compensar. Uma singela consulta jurisprudencial no sítio do STJ indica 7 (sete) Acórdãos, e tantas outras decisões monocráticas com idêntico teor.

Importa gizar que em Goiás foi sancionada recentemente pelo Excelentíssimo Senhor Governador Alcides Rodrigues a Lei 16494 de 10 de fevereiro de 2009, que altera dispositivo da Lei 14715 de 04 de fevereiro de 2004, dispondo sobre a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, e que veio contemplar a visão monocular como deficiência visual para fins de reserva de vagas nos concursos públicos.

Mais anteriormente o Estado do Espírito Santo, já havia aprovado a Lei 8775/07 de 17 de dezembro de 2007. Esses se adiantaram para o reconhecimento de uma deficiência que está sendo discutida em outros Estados da Federação e em nível federal (Projeto de Lei de Iniciativa do Senado (PLS) nº. 339/2007, proposto pelo médico e Senador Federal Papaléo Paes (PSDB/AP) que acrescenta dispositivo à Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulada pelo Decreto Federal nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Para os monoculares, tal decreto apresenta-se como uma excrescência normativa. O PLS já se encontra aprovado no Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados.Tramita com o nº PL 4248/2008, ora apensado ao Projeto de Lei (PL) nº. 7.699/2006, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de autoria do ex-Deputado Federal, atualmente Senador Paulo Paim, somando no total 16 projetos a serem analisados e que se encontra tramitando desde 2006. Enquanto isso, os monoculares enfrentam toda sorte de escárnio frente à inexistência de lei). Vejam que anteciparam um direito que já foi amplamente debatido com a sociedade e que fará diferença imediata na vida de muitos cidadãos.

Nesse sentido, citem-se Projetos de Leis Estaduais no Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins todos prevendo a visão monocular como deficiência visual nos respectivos Estados. Em nível municipal, destaque para a Cidade do Rio de Janeiro.

Pugna pelo discernimento, pela sabedoria e, sobretudo, pela sensibilidade dos Senhores Deputados para a aprovação do Projeto de lei exposto em tela que foi brilhantemente desenvolvido no intuito de salvaguardar os direitos inerentes às pessoas com deficiência, e em particular aos monoculares que padecem de um reconhecimento legal.

Destarte, com retra aprovação, V. Exas. poderão sanar uma injustiça há muito perpetrada, em face do vazio legislativo até então existente e, certamente, impactará positivamente na vida de muitos monoculares. Indubitavelmente, o povo mineiro se sente legitimamente representado por políticos aguerridos da envergadura dos nobres deputados.

Na oportunidade, a ABDVM manifesta os protestos de elevada consideração e distinto apreço, haja vista o constante empenho visando à ampla inclusão legislativa das pessoas com deficiência nas proposituras levadas a efeito pelas comissões e plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.



Atenciosamente,
Maria Helena Rios Vasconcelos
OAB/CE 19076
Setor Jurídico
Associação Brasileira dos Deficientes com Visão Monocular – ABDVM

3 comentários:

  1. Mais uma maravilhosa iniciativa no auxilio dos companheiros monoculares! Demorei mas achei este valoroso apoio aos monoculares mineiros! Parabéns e contem comigo!!!

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  2. sou de santos SP poxa ando sofrendo discriminaçõa , pois fiz varios cursos na area de bombeiro civil , mais quando fiz os testes para entrar em uma siderurgica sofridiscriminação , e agora o que eu faço ?me reprovação por eu ser monocular e so fui descobrir agora com 28 anos ?

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  3. Alguém sabe dizer qual a acuidade visual exigida de um professor da rede estadual em São Paulo? Passei no concurso e a perícia médica está se aproximando. Eu não me inscrevi como portador de deficiência, pois são considerados deficientes, segundo a lei, aqueles que apresentam acuidade visual menor que 0,05 no melhor olho com correção. No meu caso, tenho 1,75 de miopia em um dos olhos e 13,0 no outro. O olho que tem 1,75 com as lentes de contato ficam bem corrigidos, mas o outro não, mesmo com correção enxergo muito pouco. Não sei se para professor o estado pode exigir visão binocular. Alguém sabe algo sobre isso? Algum professor concursado que, apesar de não ser monocular legalmente, depente quase que exclusivamente de apenas um dos olhos? já passou por perícia em SP? Qual foi o resultado?

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